Estamos a exatamente um mês do primeiro turno das eleições.
Eu havia pensado em me isentar de fazer comentários a respeito do processo eleitoral deste ano. Não pretendia opinar sobre os candidatos, sobre o andamento das votações, nada disto. Mas fui atropelado por duas circunstâncias que me fizeram mudar de opinião. A primeira foi um post. Ou, mais propriamente, os comentários que esse post recebeu. A segunda foi o início da propaganda obrigatória no rádio e tv.
Peço licença aos leitores não-brasileiros deste cantinho, desconheço se as regras eleitorais em seu país são semelhantes às nossas, e se acaso este texto lhes seria útil em algo.
A Mariana, do blog
Compartilhar e Aprender, publicou um post chamado "
Somos Responsáveis sempre". No post, apenas uma frase de Moliére sobre a qual todos deveríamos pensar, e com a qual eu concordo totalmente. Mas foi incrível a quantidade de comentários que ela recebeu, de pessoas discordando da frase. Não querendo assumir que podemos, sim, ser culpados por omissão. E aqui caímos na segunda circunstância que me fez pensar em escrever.
Temos, este ano, um número considerável de candidatos que estão no pleito para atrair totalmente descompromissadas com a política, ou ao menos com o que deveria ser a política. E absurdamente perigosas.
Primeiro, quero falar da omissão. Depois, do voto de protesto, Finalmente, vou me atrever a sugerir uma receita para conseguirmos um país decente, se estivermos dispostos ao necessário para consegui-lo.
Antes de mais nada, acho necessário dizer que sou defensor incondicional do fim do voto obrigatório e defensor do voto distrital majoritário. Ou seja, defendo que votar seja a opção consciente de cada um, e que o candidato que eu possa eleger para me representar nas diversas instâncias do Legislativo seja alguém realmente ligado ao local onde vivo e, preferencialmente, atuante.
Feita esta observação, quero dizer que você que se omite de opinar, votando nulo ou em branco
é co-responsável, sim por tudo o que acontece de errado na política deste país. Explico-me: os votos brancos e nulos não são considerados para efeio de apuração. Antigamente, os votos em branco eram distribuídos entre os partidos para compor o voto proporcional. Hoje a lei fala claramente em
votos válidos. Oras, se você deixa de votar em um candidato que considera melhor para seu estado, município ou país, está permitindo que a opinião das outras pessoas prevaleça sobre a sua. Mesmo que o candidato delas seja o pior possível. Vamos exemplificar pelo absurdo: pouquíssimas pessoas teriam a coragem de votar em um Osama Bin-Laden, ou Adolf Hitler. Porém, se as pessoas que não votariam neles em circunstância alguma deixassem de expressar a sua vontade, a pequena minoria de eleitores destes senhores acabaria por conseguir elegê-los. Como dizer que quem se omitiu de votar em outro candidato, neste caso hipotético, não seja culpado? Claro que é, por ter se omitido, tanto quanto o são aqueles que votaram nos "bandidos".
O segundo ponto que quero abordar é o voto nos candidatos-palhaços e afins. Muita gente vota neles por protesto. Porém, estas pessoas se esquecem que o nosso sistema de eleição para deputados é o
voto proporcional. O que significa isto? Primeiro, o "bolo" de votos válidos é dividido pelos partidos dos candidatos, cada partido recebendo um número de cadeiras de deputados proporcional aos votos que obteve. Depois disto, dentro das cadeiras recebidas por cada partido, são escolhidos os candidatos mais votados, para compor a bancada. Vamos tomar como exemplo a eleição do candidato
Enéas Carneiro a
Deputado Federal em 2002. Sua expressiva votação (1.573.112 votos) permitiu a eleição de mais cinco candidatos de seu partido, o PRONA, sendo que quatro dos cinco não chegaram a ter sequer mil votos. Um dos eleitos, Vanderlei Assis, totalizou modestos 275 votos. Para efeitos de comparação, a média de votos para um candidato ser eleito Deputado Federal por São Paulo, naquele pleito, foi de cerca de 280 mil votos. Ou seja, o citado Vanderlei consegui ser eleito com
um milésimo dos votos necessários.
É interessante para os partidos disporem de candidatos com apelo popular e nenhum envolvimento político, para carrear os votos de protesto e garantir cadeiras para o partido. E um grande erro de quem cai nesta falsa manifestação de repúdio. Vota no que viu e acaba elegendo o que não viu.
Agora é o momento em que você talvez me pergunte: Mas então, o que fazer? Não temos como resolver a situação?
E é aqui que entra a terceira parte do que eu pretendo falar. Tem jeito, sim. Dá para conseguirmos melhorar o país em um prazo relativamente curto. A má notícia é que talvez dê um pouquinho de trabalho. Um país decente, não cai do céu. Nem amanhece pronto.
O que devemos fazer para conseguir este país decente?
Primeiro, escolher bem o candidato. Não é uma tarefa fácil, verdade. Mas temos ajuda para ela. Sites confiáveis, como o
Transparência Brasil, o
Voto Consciente e o
Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral trazem boas informações sobre a realidade dos nossos candidatos. E no
site do TSE é possível sabermos coisas interessantes sobre os candidatos. Por exemplo, políticos profissionais com patrimônios milionários, ou ingressantes, artistas, cantores, mulheres-fruta e afins que afirmem não possuir qualquer patrimônio, não geram algumas dúvidas? A mim, pelo menos, geram.
Bem, escolhido um candidato decente, e o mesmo sendo eleito, é hora de fiscalizarmos o seu trabalho. Esta parte da tarefa é um pouco mais trabalhosa, concordo. Mas novamente temos ajuda. Além do excelente levantamento da atividade dos políticos feito pelos sites citados acima, ainda podemos conseguir muitas informações úteis nos sites do
Senado Federal, da
Câmara dos Deputados e das
Assembléias Legislativas de cada estado. No hiperlink das Assembléias legislativas, eu exemplifiquei com a de São Paulo, mas o formato geral do nome é
www.al.xx.gov.br, onde
xx é a sigla do seu estado.
Nos sites do Senado e da Câmara, é possível consultarmos o andamento de projetos de lei e marcarmos projetos para que nos seja enviado um e-mail a cada alteração de sua situação. E também é possível enviarmos mensagens aos nossos congressistas, individualmente ou em bloco, a penúltima das providências para ajudarmos a melhorar o país que eu pretendo analisar.
Provavelmente, ao ler sobre a possibilidade de enviar mensagens aos congressistas que você elegeu, você deve ter pensado: "Para que? Isso não adianta nada". Ledo engano. Os congressistas são, sim, razoavelmente sensíveis à pressão dos eleitores.
Vamos tomar um exemplo recente: a comemorada aprovação da chamada "Lei da Ficha Limpa", que proibiria a candidatura de pessoas que estejam sendo processadas ou tenham sido condenadas por crimes administrativos. Por mais que esteja capenga, a aprovação desta lei é um verdadeiro tiro no pé de muitos políticos que aí estão. Acha que eles aprovariam algo assim apenas porque são bonzinhos? Claro que não! A lei foi aprovada porque houve pressão. Organizações, como o(a)
Avaaz empenham-se em conseguir pressão sobre os congressistas, através de abaixo-assinados ou de mensagens diretas aos mesmos. Alguns, de fato ignoram seus eleitores. Outros, mais espertos, os tratam com um pouco mais de respeito, e passam a informar sobre tudo o que fazem. O que não podemos nos esquecer, é que eles foram eleitos para serem nossos representantes. Então, eles que tratem de nos representar a contento.
Lembre-se: Muitas empresas e grupos fazem sua pressão sobre políticos eleitos, visando seus proprios interesses, que dificilmente são os mesmos nossos interesses. Asim, vamos fazer também a nossa parcela de pressão e, quem sabe, não precisaremos passar para o último ponto desta análise.
Se você tem uma faxineira em casa, um prestador na empresa onde trabalha, ou algo assim, e a pessoa não realiza seu serviço adequadamente, qual é a saída que, por pior que seja para você, você certamente dispensaria os serviços dessa pessoa. Então por que reeleger um candidato que você já sabe que não vai respeitar seus eleitores? Se ele não for um bom governante, faça como sugeriu o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, na campanha de 1996, onde ele conseguiu eleger Celso Pitta como seu sucessor: "Nunca mais votem em mim".
Estes passos são um pouco trabalhosos, eu concordo. Ainda mais trabalhosos no começo, quando não estamos ainda acostumados ao fato de que isto é o real significado de democracia. Mas a cada dia, percebemos maior facilidade em segui-los. A cada dia, perceberemos mais como eles são importantes e necessários em nossas vidas. A cada dia, seguindo-os, estaremos fazendo deste um país um pouco melhor.
E não mais precisaremos nos irritar ao sermos lembrados de que podemos, sim, ser culpados por omissão.
Além disto, este tipo de comportamento democrático, este exercício de cidadania, talvez nos ajude a, em breve, não precisarmos mais cantar músicas como esta: