Não era capaz de acreditar em seus próprios olhos. Ali, diante dele, a paixão secreta de toda sua vida. A mulher que ele sempre amou e desejou em seus sonhos mais íntimos.
Sempre acompanhara sua carreira, conhecia seus trabalhos. Assistira a todas as novelas que fizera, a todos os filmes. Não tinha condições de assistir às peças de teatro, mas até mesmo aquele disco que ela gravara ele comprou, mesmo que sua voz para cantar não fosse lá estas coisas. Mas nada disto importava. Para ele, ela era divina. Não tinha defeito algum. Era perfeita. E agora estava ali, à sua frente. Um sonho realizado. E ele teria a possibilidade de serví-la.
As queixas que tivera, até aquele momento, com relação a trabalhar no natal, simplesmente evaporaram-se. Por milagre, aquele passou a ser o melhor natal de sua vida. Iria atendê-la. Seria um fato para lembrar-se para sempre.
Ela parecia um tantinho tonta. Sem grandes problemas, certamente estaria vindo de alguma festa onde bebera um pouco demais. O homem que a acompanhava aparentava estar mais sóbrio. Lembrava-se de ter visto alguma reportagem onde aparecia uma foto dele, era o namorado da vez. Ninguém que importasse a ele, mesmo porque, conhecendo-a, sabia que o namoro não duraria tanto tempo assim.
Foi o homem que dirigiu-se a ele e fez o pedido. Ela acrescentou, com a voz pastosa, uma solicitação de urgência. Vindo de sua deusa, qualquer vontade era a mais absoluta ordem. Ele apressou-se em atender. Para ela, sempre o melhor.
Quando voltava, estava acontecendo. Nunca soube a razão do início da discussão, mas estava pegando fogo. Chegou, eles estavam na fase de troca de insultos:
- Você é uma vadia bêbada! Acha que é tudo isso? Não, você não é mais nada!
- Você é um estúpido! Um animal! Não sei o que me deu para querer ficar com você!
- Provávelmente estava bêbada, como sempre! Você não passa de uma velha atriz decadente, que só consegue algum papel quando um autor sente pena!
- Mas é esta atriz decadente que paga as suas contas, não é?
- Grande coisa, acha que assim me compra? Eu sou homem demais para o que você merece!
- Então, se é assim, mostra que eu não mereço e some da minha frente!
Ele assistia a tudo, quieto, impassível. Apenas quando o namorado tentou bater nela que ele se intrometeu entre os dois, e não deixou que acontecesse:
- Por favor, o senhor pode se retirar do estabelecimento?
- Quem você pensa que é para falar comigo assim?
- Sou apenas um funcionário daqui, mas posso chamar a polícia, se for necessário.
- Sabe com quem você está falando?
- Com uma pessoa que está perturbando a ordem do estabelecimento e ameaçando outra pessoa de agressão. Creio que, para a polícia, isto basta.
- Isto não vai ficar assim. Você está ferrado na minha mão, cara! Vai ver só!
- Sem problemas, não me incomodo em ver, desde que o senhor se retire daqui.
O namorado virou-se para ela:
- Vamos embora!
- Não! Eu não vou com você! Pode ir e sumir da minha vida!
- Você é quem sabe. Depois vai correr atrás de mim outra vez.
Virou as costas e saiu. Ela caiu em uma crise de choro.
Em uma mistura de sentimentos, aliviado pela partida do namorado, consternado com a situação dela e excitado pela proximidade, ele aproximou-se da atriz:
- Calma, está tudo bem, agora. Vou trazer-lhe um copo de água.
- Obrigado. Você foi um herói para mim, nesta noite...
E desandou a falar. Reclamou do namorado, de como não suportava sua brutalidade, de como era infeliz, de como ele a destratava, disse que não sabia onde estava com a cabeça que continuava a aceitar aquela situação... Aos poucos, conforme ela falava, os efeitos do álcool começaram a diminuir.
- Obrigado por ter me escutado, por me fazer companhia. Eu me sinto, hoje, a pessoa mais desgraçada do mundo. Ao menos você foi um ombro amigo para eu me apoiar. Não estou me sentindo bem, preciso ir para casa. Você tem como conseguir um taxi para mim?
- Eu posso procurar algum número e telefonar. Mas, se a senhora quiser, em 10 minutos eu termino o meu horário e saio. Teria grande prazer em dar-lhe uma carona, se não se importar, é claro!
- De maneira alguma, seria muito abuso da minha parte.
- Não, eu a levo com prazer, e a deixo em segurança na porta da sua casa. Sou seu fã, e nada me daria uma alegria maior do que poder fazer-lhe isto.
- Tem certeza de que não vou atrapalhar? É natal, sua família deve estar esperando...
- Não, não vai. Não tem ninguém me esperando, comemorei o natal antes de vir trabalhar.
- Tem certeza mesmo?
- Sim, tenho!
Ela concordou, e aguardou. Tão logo ele concluiu seu horário, correu para trocar o uniforme pela sua própria roupa, e veio encontrá-la.
- Desculpe o meu carro, é bem simples. Carro de pobre...
- Você está me fazendo uma gentileza e eu ainda vou me incomodar com alguma coisa? Claro que não...
Entraram no carro, ele perguntou para onde iriam e ela deu-lhe o endereço. Ele ligou o motor e e partiram.
Aos poucos, com o balanço do carro, os efeitos remanescentes do álcool e o relaxamento da tensão, ela adormeceu. Sua cabeça encostou de leve no ombro dele. Ele passou a dirigir com muito mais cuidado, para que ela não acordasse até que chegasse em casa.
Não importava a ele que provavelmente, quando se levantasse no dia seguinte, nem se lembrasse do ocorrido. Não importava que ela sequer soubesse o seu nome. Não importava que, certamente, naquele mesmo dia o namorado estaria de volta, usufruindo do conforto até que ela definitivamente se cansasse dele e arrumasse outro namorado, que também iria apenas aproveitar-se dela. Naquele momento, era no ombro dele que ela se encontrava adormecida. Era no carro dele que ela estava. Era ele que sentia-se o homem mais feliz do mundo. E que considerava ter recebido uma grande dádiva como presente de natal.